Os desafios das mulheres que ganham mais do que os parceiros
01/09/2022
Por Phillipe Scerb – Mestre em Ciências Políticas pela SciencesPo-Paris e Doutorando pela USP
Poucas mulheres têm um salário melhor do que seus maridos. No Brasil, as mulheres, em geral, ganham 20% a menos do que os homens. E a diferença é parecida para trabalhadores com a mesma escolaridade e o mesmo tipo de ocupação.
Mas conforme a desigualdade de gênero diminui, mesmo que a um ritmo lento, algumas mulheres têm assumido posições de destaque no mercado de trabalho e chegam a ter um salário maior do que os seus parceiros.
No entanto, embora isso deva ser motivo de orgulho para ambos, mulheres nessa posição costumam sofrer por dois motivos.
Por um lado, elas têm de lidar com o sentimento de humilhação e fragilidade dos maridos nessas situações. Em uma sociedade ainda marcada pelo machismo e por uma divisão clara de tarefas entre os gêneros, homens tendem a se sentir mal quando as mulheres ocupam o papel de provedoras.
Isso pode provocar julgamentos de outras pessoas e instabilidade na relação. Em outros casos, pode despertar diversas formas de violência e opressão de homens que não aceitam o sucesso profissional de suas parceiras.
Por outro lado, mulheres que ganham mais e que, portanto, costumam trabalhar mais que os homens, acabam assumindo também a maior parte do trabalho doméstico. O que faz com que a dupla jornada seja ainda mais exaustiva.
Independentemente de prover a maior parte dos recursos financeiros para a casa, as mulheres não se libertam do trabalho tradicionalmente considerado “feminino”, como cuidar dos filhos e da casa.
Pesquisas têm indicado que mesmo com a entrada das mulheres no mercado de trabalho, a divisão das tarefas domésticas não foi significativamente alterada. Inclusive quando elas ganham mais do que eles. No Reino Unido, por exemplo, um estudo mostrou que 45% das mulheres provedoras são responsáveis pela maioria dos afazeres domésticos, contra somente 12% dos homens que ganham mais que suas esposas.
Outras pesquisas, feitas nos Estados Unidos e na Austrália, revelaram que mesmo que a carga doméstica diminua para mulheres que ascendem na carreira, esse movimento bate num teto rapidamente. Depois de uma mudança inicial, as mulheres voltam a assumir a maior parte do trabalho em casa.
Nesses casos, o estresse profissional se soma a uma sobrecarga de tarefas domésticas e ao desconforto causado por um desequilíbrio mal suportado pelos parceiros. Não por acaso, dados têm indicado que casamentos em que a mulher é a principal provedora têm maiores chances de culminar em um divórcio.
No entanto, esse nem sempre precisa ser o resultado da inclusão das mulheres no mercado e difusão de oportunidades iguais entre os gêneros. As mudanças no trabalho parecem que ocorrem em um ritmo mais acelerado do que aquelas nos costumes e nas tradições.
Mas elas também têm avançado e cada vez é mais comum encontrar pais que levam os filhos para a escola, cozinham e cuidam da casa. Já é tempo, afinal, das transformações no mercado de trabalho chegarem também ao ambiente familiar.
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